domingo, 18 de fevereiro de 2018

O Amor é um Cão dos Diabos

Ainda sob os ares de São Valentim, deixo aqui algumas passagens (escolhidas meramente por afinidade) do livro Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes. E, como me pareceu duplamente pertinente (pelo significado que encerra e por o autor constar no programa da cadeira), atribuí o título a partir de uma antologia poética de Charles Bukowski. Aos interessados, podem descarregar estas duas obras aqui e aqui, respectivamente.


“Que quer isto dizer, «pensar em alguém?» Quer dizer: esquecê-lo (sem esquecimento, não há vida possível) e despertar muitas vezes desse esquecimento. Muitas coisas, por associação, conduzem a ti no meu discurso. «Pensar em ti» nada mais significa do que esta metonímia. Pois, em si mesmo, esse pensamento é vazio: eu não te penso; apenas te faço regressar (na mesma proporção em que te esqueço).” (pp. 58)


“É certo que não existe felicidade na estrutura, mas toda a estrutura é habitável, sendo mesmo esta, talvez, a sua melhor definição. Posso muito bem habitar o que não me faz feliz; posso ao mesmo tempo lamentar-me e permanecer; posso recusar o sentido da estrutura que me faz sofrer e atravessar sem desagrado alguns dos seus bocados quotidianos (hábitos, pequenos prazeres, pequenas seguranças, coisas suportáveis, tensões passageiras); (…)” (pp. 62)


“Ao chorar, quero impressionar alguém, fazer pressão sobre ele («Vê o que fazes de mim»). Pode ser – e é-o normalmente – o outro quem se constrange assim a demonstrar abertamente a sua comiseração ou a sua insensibilidade; mas posso também ser eu próprio: obrigo-me a chorar para provar a mim mesmo que a minha dor não é uma ilusão: as lágrimas são signos, não expressões. Pelas minhas lágrimas, conto uma história, elaboro um mito de dor e então habituo-me: posso viver com ela, porque, ao chorar, ofereço a mim próprio um interlocutor enfático que recolhe a mais «verdadeira» da mensagens, a do meu corpo, não a da minha língua: «As palavras, o que são? Uma lágrima dirá mais.»1” (pp. 74)


“[…] ao mesmo tempo que me identifico com a infelicidade do outro, o que leio nessa infelicidade é que ela existe sem mim e que, sendo infeliz por si próprio, o outro me abandona: se ele sofre sem que eu seja a causa, é porque não significo nada para ele: o seu sofrimento anula-me na medida em que existe fora de mim próprio.” (pp. 80-1)


“Ou ainda: em vez de querer definir o outro («O que é ele?»); volto-me para mim mesmo: «O que quero eu, eu que quero conhecer-te?» O que aconteceria se decidisse definir-te como uma força e não como uma pessoa? E se eu próprio me situasse como uma outra força perante a tua força? Eis o que aconteceria: o meu outro definir-se-ia apenas pelo sofrimento ou prazer que me proporciona.” (pp. 174)



1 Schubert, Elogio das Lágrimas

BARTHES, Roland (1977). Fragmentos de um Discurso Amoroso. Lisboa: Edições 70

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